IN MANUS TUAS, DOMINE!
Em tuas mãos, Senhor, coloco o meu passado, o meu presente e o meu futuro. Tudo o que sou e o que tenho. Os que amo e me são caros. Os que me são confiados. Para que em tudo se faça a Tua Vontade e, possamos ser instrumentos dóceis em Tuas Mãos, para realizar a tua obra de amor no mundo e no coração de todos os homens!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

UM NOVO NATAL!
                Para alguns pode parecer que a cada ano, os cristãos repetem os mesmos ritos, para relembrar um fato a primeira vista tão antigo, mas ao mesmo tempo tão novo, o nascimento do Emanuel, Deus conosco, Jesus de Nazaré, o Salvador!
                Na verdade, não vivemos de uma recordação. Por incrível que pareça, a cada ano revivemos o que ocorreu no meio da noite, tornamo-nos contemporâneos, podemos aproximar-nos deste Menino na companhia dos pastores, alegrando-nos com José e Maria, sussurrando palavras cheias de emoção e alegria,  pela chegada de Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem!
                A alegria deste fato que se irradia pelos séculos e que nos alcança hoje, no início de um Novo Milênio é o fato de que podemos ver a Deus! Deus tornou-se visível aos nossos olhos, Ele nos revelou a Sua Face, Ele deixou-nos penetrar no seu Mistério insondável. Podemos, como os pastores e os Magos do Oriente, que retornaram exultantes para suas casas dizer a todos que nós vemos o Senhor! Podemos ver a Face humana de Deus numa criança pequenina, recém-nascida, colocada sobre um presépio, que não tem para se aquecer senão algumas faixas e o halito dos animais. Deus se fez um de nós!
                Mas, se grande alegria é poder ver o Senhor, não é menor a de poder ouvi-Lo, pois “a Palavra eterna fez-Se pequena; tão pequena que cabe numa manjedoura. Fez-Se criança, para que a Palavra possa ser compreendida por nós.” (Bento XVI, Verbum Domini, 12). Cada vez que abrimos o Evangelho , revivendo os fatos e acolhendo as palavras, como um personagem à mais nas cenas, deixamos que a Palavra que se revelou no Natal deixamos que Deus faça ressoar emnós a sua voz.
                Não só vê-lo, nem só ouvi-lo, mas podemos tocá-Lo tambem. Podemos aconchegá-lo na palma de nossas mãos, quando as estendemos para recebe- Lo na Santa Eucaristia, “pão que é dado para a vida do mundo”. Se Belém é a “Casa do Pão”, cada Eucaristia é Natal; pois o Deus que se fez tão pequenino na mangedoura agora se faz nossa comida e nossa bebida, pão de vida eterna para nós!
                Podemos hoje reviver o Natal! Tambem no irmão com que nos encontramos em nosso dia-a-dia, podemos nos encontrar com o Menino nascido no Natal: “Não te angusties dizendo: - Por que nenhuma pessoa em Belém quis receber com afeto o Menino e sua Mãe? Não te aflijas porque, se receberes o pobre, recebes o Menino e sua Mãe; e se de verdade acreditas nisto, andarás mais solícito em procurar o pobre que está nesta rua, e disputarás aos outros a ocasião de fazer o bem que puderes...não vos contenteis com dar umas moedas ou algo mais, mas daí esmolas em quantidade, pois é exatamente assim que Deus vos dá tantas coisas. Não sejais mesquinhos à hora de dar, já que Deus é tão generoso em dar-vos. Não deis moedinhas por Deus, já que Deus vos dá o seu Filho. Daí esmolas para bem receber Cristo neste Natal. Irmãos, esse que vem é amigo da misericórdia; que Ele vos encontre misericordiosos.” (S. João de Ávila)
                Natal: tempo de deixar-nos tocar por Deus que tão pequenino na mangedoura nos ajuda a superar a distância que nos separa, e vencer o medo, alegrando-nos com o Amor que se torna realidade entre nós.
                Feliz Natal!

Dom Milton Kenan Júnior

sábado, 17 de dezembro de 2011

Eis que conceberás e darás à luz um filho
Das Homilias de São Beda, o Venerável, presbítero.
                Irmãos caríssimos, a leitura que hoje fazemos do santo evangelho nos recorda o início da nossa redenção, quando Deus mandou do céu um Anjo para anunciar à Virgem o novo nascimento do seu Filho na natureza humana, para que livres da corrupção do velho homem e tornados homens novos, pudéssemos ser associados aos filhos de Deus. Procuremos, portanto, perceber com ouvido atento este anuncio, para merecer conseguir os dons da salvação que nos é prometida.
                “O anjo Gabriel foi enviado por Deus à uma cidade da Galiléia chamada Narazé, a uma virgem, prometida em casamento a um chamado José. A virgem se chamava Maria.” (Lc 1, 26-27). O que se disse da casa de Davi se refere não só a José, mas também a Maria, por que, segundo a Lei, cada um devia escolher a mulher na propria tribo ou familia, como atesta tambem o Apóstolo, escrevendo a Timóteo: “Lembra-te de Jesus Cristo, da descendência de Davi, ressuscitou dos mortos, segundo o meu evangelho.” (2Tim 2,8). Por isso o Senhor pertence verdadeiramente à descendência de Davi, pois sua virgem Mãe teve origem realmente da estirpe de Davi.
                Entrando onde ela estava, o anjo disse: “Não temais, Maria, porque achastes graça junto de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho e o chamarás Jesus. Ele será grande e chamado filho do Altíssimo. O Senhor lhe dará o trono de Davi, seu pai.” (Lc 1,30-32). Por trono de Davi se entende o reino do povo de Israel, que no seu tempo Davi governou com fiel dedicação, por ordem e com a ajuda de Deus. O Senhor deu ao nosso Redentor o trono de Davi seu pai, para que dispondo a sua encarnação da descendência davídica, conduzisse o reino eterno com a graça espiritual o povo que Davi havia governado com um poder temporal. Como diz o Apóstolo: “Ele nos livrou do poder das trevas e nos transferiu ao reino do seu Filho amado” (Col 1,13). “E reinará para sempre sobre a casa de Jacó” (Lc 1,33). Casa de Jacó pode dizer-se toda a Igreja, que pela fé e adesão a Cristo participa da sorte dos patriarcas, tanto nos descendentes da sua estirpe, como  naqueles os quais, vindo de outras nações, com o batismo renasceram em Cristo. Nesta casa ele reinará para sempre, “e o seu reino não terá fim” (Lc 1,33). Ele aí reina na vida presente, porque governa o coração dos eleitos habitando neles com a fé e com o seu amor, e os guia com uma proteção contínua para merecer os dons do premio eterno. E aí reina na vida futura, quando, no fim do seu exílio temporal, os introduzir na patria celeste, onde, fascinados pela visão da sua presença contínua, serão felizes de não fazer nada senão dedicar-se à ele no louvor.
                Santidade, na caridade
                “Deus é caridade e aquele que permanece na caridade permanece em Deus e Deus nele” (1Jo 4,16). Deus difundiu a sua caridade nos nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado (cf. Rm 5,5); por isso, o dom principal e mais necessário é a caridade, pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por causa dele. Mas, para a caridade crescer e frutiricar na alma como boa semente, todo fiel deve ouvir de bom grado a palavra de Deus e cumprir nas obras a sua vontade, deve, frequentemente, com o auxílio da sua graça, aproximar-se dos sacramentos sobretudo da eucaristia, e tomar parte nos atos de culto; deve aplicar-se constantemente á oração, à abnegação de si mesmo e ao serviço dedicado dos seus irmãos, e ao exercício constante de todas as virtudes. Porque a caridade, sendo como é, o vínculo da perfeição e a plenitude da lei (cf. Cl 3,14; Rm 13,10), rege todos os meios de santificação, dá-lhes forma e os conduz à perfeição. Daí que seja a caridade, para com Deus e para com o próximo, o sinal do verdadeiro discípulo de Cristo.” (Lumen Gentium, 42)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

PREFACIO DE SÃO JOÃO DA CRUZ I
Na verdade, é justo e necessário,
é nosso dever e salvação
dar-vos graças, sempre e em todo o lugar,
e, na solenidade de são João da Cruz,
celebrar vossos louvores,
por Jesus Cristo, vosso Filho diletissimo,
vosso Verbo, pelo qual tudo foi criado
e de cuja formosura e bondade revestistes todas as coisas.
Ele é a plenitude da revelação e da graça,
por quem tudo nos revelastes
e nos destes o que há no céu e na terra.
Reconciliando os homens convosco,
pelo mistério pascal da cruz e ressurreição,
restabeleceu a íntima união entre Criador e criaturas
e novamente elevou, até vós, toda a criação.
Agora, porém como Cabeça e Esposo da Igreja
refulge de glória na assembléia dos santos.
Por isso, o céu e a terra
com um novo cântico vos adoram,                                            
e nós, com toda a multidão dos anjos,
cantamos a uma só voz...

PREFÁCIO DE SÃO JOÃO DA CRUZ II
Na verdade, é justo e necessário,
é nosso dever e salvação dar-vos graças, sempre e em todo lugar,
e, na comemoração de são João da Cruz
celebrar vossos louvores.
Fizestes resplandecer o mistério da cruz e da luz de Cristo
em sua vida e doutrina a fim de que, os fiéis, pelos seus ensinamentos,
completem em si mesmos
os sofrimentos da Paixão de Cristo
e anunciem ao mundo as alegrias da ressurreição.
Vós o guiastes, pela subida do monte e pela noite escura,
à união convosco, para que experimentasse a chama viva de vosso amor
e pudesse narrar os segredos de vossa dileção e exaltar o amor,
como sumo benefício para a Igreja.
Por isso, o céu e a terra com um novo cântico vos adoram,
e nós, com toda a multidão dos anjos cantamos a uma só voz:
Santo, santo, santo...

domingo, 11 de dezembro de 2011

NAS PEGADAS DE JOÃO BATISTA

            Neste período do Advento, creio ser muito oportuno deter nossa atenção sobre o testemunho de João Batista. Já no hino de louvor que  Zacarias, seu pai, proclamou exultante pelo nascimento de João, ele traça o seu perfil: “E tu, menino, serás profeta do Altíssimo, pois irás andando à frente do Senhor para aplainar e preparar os seus caminhos, anunciando ao seu povo a salvação, que está na remissão de seus pecados, pela bondade e compaixão de nosso Deus, que sobre nós fará brilhar o Sol nascente...” (Lc 1, 76-78)
         Não é difícil constatar que a missão de João e a missão dos que se dedicam ao anuncio do Evangelho se identificam. Penso, que um dos motivos pelo qual a cada manhã, na oração das Laudes, recitamos o Benedictus  (cf. Lc 1, 67-79) é para relembrarmo-nos que somos chamados a ser nos nossos dias outros João Batista, com a missão de “aplainar e preparar os caminhos”, para que o Senhor possa encontrar-se conosco e com muitos dos nossos irmãos e irmãs que recorrem a nossa palavra e se apóiam no nosso testemunho.
         Ao relatar o envio dos setenta e dois discípulos, Lucas nos ajuda a perceber a semelhança entre a missão de João Batista e dos discípulos agora enviados pelo próprio Jesus em missão: “Depois disso, o Senhor designou outros setenta e dois, e os enviou dois a dois à sua frente a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir.” (Lc 10,1).
         O discípulo enviado pelo Mestre é na verdade um desbravador; alguém que vai abrindo caminhos, para que a ninguém seja negada a graça de encontrar-se com o Mestre e Senhor, o Ressuscitado que está vivo e acompanha a sua Igreja.
         Creio que o tempo do Advento é um tempo propício para voltarmos nossos olhares para esta figura singular nos Evangelhos, que não só anunciou a vinda do Messias, mas mostrou-o presente entre os homens.
1.     Quem é João Batista – Quem melhor soube definir a missão de João e exaltar o seu testemunho foi Jesus: “Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Mas que fostes ver? Um homem vestido de roupas finas? Mas os que vestem roupas finas vivem nos palácios dos reis. Então, que fostes ver? Um profeta? Eu vos afirmo que sim, e mais do que um profeta. É dele que está escrito: “Eis que envio o meu mensageiro à tua frente; ele preparará o teu caminho diante de ti.” Em verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não surgiu nenhum maior do que João, o Batista, e, no entanto, o menor no Reio dos Céus é maior do que ele.” (Mt 11,7ª-11)
         João Batista é o Profeta, considerado por Jesus o maior nascido entre os homens, que se destacou pela coragem, pela coerência de vida, pela parresía profética. João não é um caniço que se deixa guiar pela força do vento; nem um homem acostumado aos privilégios dos palácios e dos séquitos reais. João Batista é Profeta. Não é profeta por profissão (não vive em busca de rendas), mas por vocação, chamado por Deus para uma missão.
         João Batista é a “Voz que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, tornai retas suas veredas...” (cf. Is 40,3-5; Lc 3,4) É o homem acostumado ao deserto, à solidão, ao silêncio, mas, ao mesmo tempo, o homem que vive da Palavra que anuncia. É “voz que clama”. Não obstante pareça que sua voz ecoe no deserto, João não deixa de fazer ressoar a sua voz na solidão. É o homem que não desiste com facilidade diante da indiferença e do insucesso. Cumpre a sua missão!
         É o homem da palavra. A sua audácia nasce da palavra, da mensagem que anuncia. Ele sabe que esta Palavra é “luz” “lâmpada” “espada”...! É Palavra de Deus! Sua riqueza, seu apoio, sua força, seu único Bem!
2.João Batista, testemunha do Verbo – João Batista pode ser definido como testemunha por excelência do Verbo. No elenco das testemunhas do Verbo, apresentado por João no seu Evangelho, João está em primeiro lugar. Ele antes de qualquer outro fala e aponta para Cristo: “Este foi o testemunho de João, quando os judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para o interrogar: “Quem és tu?” Ele confessou e não negou; confessou: “Eu não sou o Cristo”. Perguntaram-lhe: “Quem és, então? És tu, Elias?” Ele disse: “Não o sou”. – “És o profeta” Ele respondeu: “Não”. Disseram-lhe, então: “Quem és, para darmos uma resposta aos que nos enviaram?” “Que dizes de ti mesmo?” Disse ele: “Eu sou uma voz que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor como disse o profeta Isaías”. Alguns dos enviados eram fariseus. Perguntaram-lhe ainda: “E por que batizas, se não és o Cristo nem Elias, nem o profeta?” João lhes respondeu: “Eu vos batizo com água. No meio de nós, está alguém que não conheceis, aquele que vem depois de mim, do qual não sou digno de desatar a correia da sandália.” (Jo 1,19-27)
João Batista não é fim para si mesmo. Ele aponta para Cristo. Tudo nele indica Cristo. Não hesita em dizer que não é Ele o Messias; não se considera nem mesmo um profeta diante da supremacia de Cristo, Palavra de Deus.
Mas o testemunho de João Batista não é “nãos” sucessivos, mas um sim radical. Ele fala de “alguém que não conheceis”, alguém de quem não é “digno de desatar a correia da sandália”. É Cristo quem deve ocupar a atenção, em quem os homens devem depositar sua confiança e segurança.
         3.João, amigo do Esposo – Há um diálogo no Evangelho de João com seus discípulos a respeito de Jesus que sempre me encanta. Os discípulos de João estão intrigados pelo “sucesso” de Jesus: “Rabi, aquele que estava contigo do outro lado do Jordão, de quem deste testemunho, batiza e todos vão a ele. João respondeu: “Um homem nada pode receber a não ser que lhe tenha sido dado do céu. Vós mesmos sois testemunhas de que eu disse: Não sou o Cristo, mas sou enviado adiante dele. Quem tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que está presente e o ouve, é tomado de alegria à voz do esposo. Essa é a minha alegria e ela é completa! É necessário que eles cresça e eu diminua.” (Jo 3, 27b-29)
         No excesso da sua humildade, João compara-se ao amigo do Esposo que está ao seu lado, que escuta sua voz e se alegra com Ele. Esta, talvez, seja a imagem mais bonita e apropriada para falar de João: amigo do Esposo. Vive com Cristo uma relação de amizade. Amizade que cresce a medida que estão próximos um do outro. Amizade que exige fidelidade e doação.
         Será maior a sua alegria quanto mais o Esposo crescer e  ele [João] diminuir! Maior será a alegria quanto mais fortemente os olhares e a atenção se voltarem para o Mestre; deixando o amigo do Esposo no anonimato e no esquecimento.
         Os Evangelistas nos falam da dúvida de João (Mt 11, 1-6; Lc 7,18-28). A amizade de João com Jesus está sujeita as duvidas, a perplexidade diante da novidade da sua pregação e dos seus gestos. Entretanto, a amizade entre eles vai num crescendo tal que João pode exclamar: “Essa é a minha alegria e ela é completa!” João não se escandaliza, mas se alegra com o Mestre.
         4.O Precursor – As vidas de João e de Jesus se entrelaçam. Acompanhando o itinerário de João nos Evangelhos compreendemos que João não é apenas o precursor da vida e pregação do Messias, mas da sua paixão e da sua morte. Não foi fácil para as primeiras gerações distingui-los tão parecidos eram entre si.
         “Naquele tempo, Herodes, o tetrarca, veio a conhecer a fama de Jesus e disse aos seus oficiais: “Certamente se trata de João Batista: ele foi ressuscitado dos mortos e é por isso que os poderes operam através dele!” ((Mt 14,1). Estão unidos não só na vida, mas também na morte.
         Em ambos vida e morte se entrelaçam. Suas vidas estão unidas não só pela mensagem que anunciam, mas pelo destino que comungam. João é o primeiro a tomar sobre os ombros a cruz do Mestre, e seguir os seus passos até a morte. Não podia ser diferente entre eles. Como diz o Doutor Místico que celebramos hoje: “amor verdadeiro gera semelhança entre o amante e o amado”. Aquele que ama não hesita em assumir a sorte do ser amado.
         João e Jesus são da mesma estirpe; daqueles que amam e provam seu amor não com palavras e discursos, mas vida e gestos.
         5. “Um novo João Batista” – Retomando as considerações iniciais, creio que podemos tomar João Batista como paradigma do nosso ser e do nosso ministério. Cumpre a nós, como coube a João “aplainar e preparar os caminhos do Senhor”, apontar aos homens do nosso tempo “aquele que está no meio de vós e não conheceis”, ser “voz que clama no deserto” que resiste ao silêncio e a indiferença dos que fecham ao anuncio do Evangelho!
         Nos relatos sobre João Batista, gostaria ainda de chamar atenção para dois textos: o primeiro é o relato de Marcos sobre as vestes e o alimento de João: “João se vestia de pêlos de camelo e se alimentava de gafanhotos e mel silvestre.” (Mc 1, 6). A figura de João é cercada de austeridade. João é o homem que vive do necessário, do essencial, do indispensável. Não é alguém que vive do supérfluo, do desperdício, do acumulo  e do prazer.
         Mas há um outro texto onde nos damos conta do conteúdo da pregação de João: “E as multidões o interrogavam: “Que devemos fazer?” Respondia-lhes: “Quem tiver duas túnicas, reparta-as com aquele que não tem, e quem tiver o que comer faça o mesmo.” Alguns publicanos também vieram para ser batizados e disseram-lhe: “Mestre, que devemos fazer?” Ele disse: “Não deveis exigir nada além do que vos foi prescrito.” Os soldados, por sua vez, perguntavam: “E nós, que precisamos fazer?” Disse-lhes: “A ninguém molesteis com extorsões; não denuncieis falsamente e contentai-vos com o vosso soldo.” (Lc 3, 10-14).
         Vida e pregação em João se confundem. O Batista anuncia o que vive. A semelhança de Cristo, João só anuncia o que antes ele próprio pode experimentar. Para nós, hoje, a realidade não é outra: vida e ministério devem identificar-se, a ponto de vivermos o que anunciamos e anunciamos o que antes comprovamos em nós próprios.
         No mundo da globalização somente a linguagem da santidade é capaz de tocar os corações e move-los à conversão. Identificando vida e ministério estaremos aptos a anunciar ao mundo a alegre notícia do evangelho.
        

Dom Milton Kenan Júnior
No meio de vós está aquele que não conheceis
Do “Tratado sobre as obras do Espírito Santo” de Ruperto de Deutz, abade.
                O batismo de João é o batismo de um servo; o batismo de Cristo é o batismo do Senhor. O primeiro é para a conversão, o segundo é para o perdão dos pecados.
                Cristo foi manifestado pelo batismo de João, mas foi glorificado pelo seu próprio batismo, isto é, pela sua paixão.
                De fato João diz do seu batismo: “Eu não o conhecia, mas vim para batizar com água, para que ele se tornasse conhecido para Israel” (Jo 1,31).
                Mas Cristo, já batizado por João, diz: “Há um batismo que devo receber, e como estou angustiado, até que se realize!” (Lc 12,50). O batismo de João preparava o povo para aquele de Cristo; e o batismo de Cristo abriu ao povo o Reino de Deus.
                João exortava quem recebia o seu batismo a crer no Mestre que viria depois dele; aqueles entre estes que morreram antes da paixão de Cristo, na sua morte sem dúvida foram purificados dos pecados, por mais graves que fossem, e entraram com ele no paraíso, com ele viram o Reino de Deus.
                Mas a aqueles que, desprezando em si mesmos o desígnio divino e não batizados com o batismo de João, e deixaram este mundo antes que Cristo fosse batizado com a sua paixão, para eles nada valeu o antigo remédio da circuncisão, nem valeu-lhes a paixão de Cristo, nem foram retirados para fora do inferno, por que não eram aqueles dos quais Cristo dizia: “Por eles eu me consagro a mim mesmo” (Jo 17,19).
                É preciso saber que aos batizados por João, que viveram depois da glorificação de Jesus enquanto se pregava a Boa Nova, se “não acolheram” o Cristo, se não creram necessario ser por ele batizados, a nada serviu o batismo de João.
                O Apostólo Paulo, que sabia isso, “encontrou alguns discípulos e disse-lhes: Recebestes o Espírito santo quando viestes à fé?”; e ainda: “Qual batismo recebestes?” e completava: não tendes “nem ao menos ouvido dizer que haja um Espírito Santo?” Então eles lhes responderam: “O batismo de João”. Disse-lhes então: “João administrou um batismo de penitência, dizendo ao povo crer  naquele que viria depois dele, isto é, em Jesus.” Depois de ter ouvido isso se fizeram batizar no nome do Senhor Jesus e apenas Paulo lhes impôs as mãos, desceu sobre eles o Espírito Santo.” (At 19,2-6)
                Como era inferior o batismo do servo, que não fazia nem mesmo conhecer a existência do Espírito santo, em comparação com o batismo do Senhor, que se confere no nome do Pai e do Filho, mas não sem o Espírito santo, e no qual o Espírito Santo é dado para o perdão dos pecados (cf. At 2,38).
Vocação universal à santidade
                “O Senhor Jesus, mestre e modelo divino de toda a perfeição, pregou a todos e a cada um dos seus discípulos, de qualquer condição que fossem, a santidade de vida, de que ele próprio é autor e consumador: “Sede perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celeste” (Mt 5,48). Enviou a todos o Espírito Santo para os mover interiormente a amarem a deus com todo o coração, com toda alma, com toda a mente e com todas as forças (cf. Mc 12,30) e a amarem-se uns aos outros como Cristo os amou (cf. Jo 13,34; 15,12). Os seguidores de Cristo, que Deus chamou e justificou no Senhor Jesus, não pelos seus méritos mas por seu desígnio e sua graça, foram feitos no batismo da fé verdadeiros filhos de Deus e participantes da natureza divina, e por isso mesmo verdadeiramente santos. Devem portanto, com a ajuda de Deus, conversar e aperfeiçoar na sua vida a santidade que receberam. O Apóstolo exorta-os a viverem “como convém a santos” (Ef 5,3), a reverestirem-se “como eleitos de Deus, santos e prediletos, de sentimentos de misericórdia, de benignidade, de humildade, de mansidão e de paciencia” (Cl 3,12) e a fazerem servir os frutos do Espírito para a santificação (cf. Gl 5,22; Rm 6,22). Como, porém, todos cometemos muitas faltas ( cf. Tg 3,2), temos contínua necessidade da misericórdia de Deus e devemos orar todos os dias: “perdoai-nos as nossas ofensas” (Mt 6,12).
                É, pois, bem claro que todos os fiéis, seja qual for o seu estado ou classe, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade: por esta santidade se promove, também na sociedade terrena, um teor de vida mais humano. Empreguem os fiéis as forças recebidas segundo a medida da dádiva de Cristo, para alcançar esta perfeição, a fim de que, seguindo os seus exemplos, tornando-se conformes à sua iamgem e obedecendo em tudo a vontade do Pai, se dediquem à glória de Deus e ao serviço do próximo. Assim a santidade do povo de Deus,c rescerá oferecendo abundantes frutos, como o demonstra brilhantemente, através da história da Igreja, a vida de tantos santos.” (Lumen Gentium, 40)

domingo, 4 de dezembro de 2011

Endireitai as veredas do Senhor
Das Homilias sobre Lucas, de Orígenes, presbítero
Examinemos o que anunciou a propósito do advento de Cristo.  Primeiramente está escrito por João: “Eis a voz do que grita no deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas veredas” (Lc 3,4). O que segue se refere expressamente ao Senhor e Salvador. Obsserve cada um o que era antes de ter a fé: se dará conta que estava num abismo profundo, um abismo em declive que se aprofundava nos abismos. Mas quando veio o Senhor Jesus e enviou como seu vigário o Espirito Santo, “todo abismo foi preenchido”. Foi preenchido com as boas obras e os frutos do Espírito Santo. A caridade não deixa que em ti permaneça  um abismo, por que, se possuis a paz, a paciencia e a bondade, não somente cessarás de estar num abismo, mas començaras a tornar-se “montanha” de Deus.
Estas palavras vemos que todo dia se realizam para os gentios: “Todo abismo é preenchido”; enquanto no povo de Deus, deposto da sua grandeza, se cumprem as outras: “Todo monte e toda colina serão abaixadas”. Este povo [Israel] que um dia foi um monte e uma colina,  foi abatido e desmantelado. Mas “por causa da sua queda, a salvação chegou aos pagãos, para suscitar a sua inveja” (Rm 11,11).
Se ao invés dirás as montanhas e colinas abatidas são as potências inimigas, que se erguiam contra os homens, não errarás.
De fato, para que sejam cumulados os abismos de que falamos, deverão ser abatidos e colinas, as potências inimigas.
Mas vejas se si é cumprida a profecia seguinte que diz respeito ao advento de Cristo. Diz de fato: “E os passos tortuosos serão endireitados”. Cada um de nós era tortuoso – se o era somente então sem ter permanecido tal – e, com a vinda de Cristo na nossa alma, tudo que  era tortuoso tornou-se direito. Para que te serve de fato que Cristo tenha vindo num tempo na carne, se não veio tambem na tua alma? Peçamos portanto para que todo o dia o seu advento se cumpra em nós, para que possamos dizer: “Não sou mais eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20)
Veio o meu Senhor Jesus e aplainou as tuas asperezas, mudou em estradas direitas toda a tua desordem, para formar em ti uma estrada sem tropeços, onde Deus Pai possa vir a ti num caminho doce e puríssimo, e Cristo Senhor pudesse fixar em ti a sua morada dizendo: “O meu Pai e eu viremos, e faremos nossa morada nele” (Jo 14,23).

O Apostolado dos Leigos
                “O apostolado dos leigos é a participação na própria missão salvífica da Igreja, e a este apostolado são destinado todos pelo próprio Senhor ao receberem o batismo e a confirmação. Pelos sacramentos, e especialmente pela sagrada eucaristia, comunica-se e alimenta-se aquela caridade para com Deus e para com os homens, que é a alma de todo apostolado. Mas os leigos são chamados de modo especial a tornar presente e operante a Igreja naqueles lugares e circunstâncias, onde ela só por meio deles pode vir a ser sal da terra. Assim todo o leigo, por vitude dos dons que recebeu, é testemunha e ao mesmo tempo instrumento vivo da missão da própria Igreja “segundo a medida do dom de Cristo” (Ef 4,7).
                (...) Pesa ainda sobre todos os leigos o encargo glorioso de trabalhar para que o plano divino da salvação atinja cada vez mais todos os homens, em quaisquer tempos e lugares. Abram-se-lhes, pois, todos os caminhos para que, segundo as suas forças e as necessidades dos tempos, participem também eles, ardorosamente, na tarefa salvadora da Igreja.” (Lumen Gentium, 33)

Deus não se agrada em condenar, mas em salvar
Das Homilias de Santo Agostinho, bispo
                “Eis que vem o nosso Deus, e não se cala” (Sl 49,3). Cristo Senhor, nosso Deus, Filho de Deus, no seu primeiro advento se fez presente de modo escondido, mas a sua segunda vinda será manifesta. Quando veio de forma velada não foi reconhecido senão pelos seus servos; quando vier de modo público o verão os bons e os maus.
                Quando veio sob o véu da sua humanidade, veio para ser julgado; quando vier manifestadamente, virá para julgar. Quando foi julgado calou-se e o seu silêncio o profeta havia predito: “Como cordeiro conduzido ao matadouro, como ovelha diante dos seus tosquiadores, não abriu a sua boca” (Is 53,7).
                Mas “eis que vem o Senhor, e não se cala”. Calou-se enquanto sofria o juízo, mas não do mesmo modo calará quando será ele a julgar. E então não se cala, se há quem o escuta, mas diz: “Não se calará” quando reconhecerão a sua voz tambem aqueles que então o desprezaram. Agora, quando se anunciam os mandamentos de Deus, alguem ri deles. Por que as coisas prometidas por  Deus não são agora visíveis, e não se toca com as mãos o cumprimento das suas ameaças, mas se faz pouco dos seus preceitos. Agora a sobredita felicidade deste mundo a possuem também os malvados; e sobredita infelicidade sofrem tambem os bons.
                Os homens que crêem nas realidades presentes e não crêem naquelas futuras, observam que os bens os males deste mundo, são dos bons e dos maus, sem distinção. Se desejam riquezas, vêm que a possuem gente má e gente de bem. E vêem tambem, se têm horror a pobreza e as misérias deste mundo, que sofrem por causa delas não só os bons, mas tambem os malvados. E no coração deles dizem que Deus não olha nem governa as coisas humanas, mas as abandonou completamente ao acaso no profundo abismo deste mundo, e não há nenhum cuidado de nós. E porque não vêem alguma manifestação do seu juízo, desprezaam os seus mandamentos.
                Porém tambem agora cada um deve refletir que, quando quer, Deus vê e condena sem nenhuma prorrogação, e quando quer apacienta-se. E por que motivo? Por que se no presente não se manifestasse jamais o seu juízo, creriam que Deus não existe; e se o manifesta sempre, não reservaria nada para o ultimo juízo. Muitas coisas estão revervadas para a condenação e algums são punidos logo, para que aqueles aos quais é concedida uma prorrogação temam e se convertam. Não agrada a Deus condenar, mas quer salvar, e por isso é paciente com os malvados, para fazê-los de malvados, bons.
                Diz o Apóstolo que “a ira de Deus se revela contra toda impiedade” (Rm 1,18) e que “Deus dará a cada um segundo as suas obras” (Rm 2,6). Mas exorrta e reprova o homem que não faz conta de Deus: “ desprezas as riquezas da sua bondade, tolerência e longanimidade?” (Rm 2,4) Porque ele é bom contigo, é longânime, é paciente, porque te espera e não te tira dos mundo, tu o desprezas, e consideras de fato nada ao juízo divino, e não reconheces que “a bondade de Deus te impele à conversão. Tu, com a tua dureza e o teu coração impenitente acumulas colera sobre ti para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, o qual dará a cada um segundo as suas obras” (Rm 2,4-6).
Dignidade dos leigos no povo de Deus
           A santa Igreja é, por instituição divina, organizada e dirigida por variedade admirável. “Pois assim como um só corpo temos muitos membros e os membros não têm todos a mesma função, de modo análogo, nós somos muitos e formamos um só corpo em Cristo, sendo membros uns dos outros” (Rm 12, 4-5).
                É, portanto, uno o povo eleito de Deus: “Um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4,5); comum é a dignidade dos membros pela sua renegeração em Cristo, comum a graça de filhos, comum a vocação à perfeição; uma só a salvação, uma só a esperança e a unidade sem divisão. Nenhuma desigualdade existe em Cristo e na Igreja, por motivo de raça ou de nação, de condição social ou de sexo, pois “não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3,28; cf. Cl 3,11).
                Se, na Igreja, nem todos caminham pela mesma via, ainda assim, todos são chamados à santidade e têm igualmente a mesma fé pela justiça de Deus (cf. 2Pd 1,1). E se é certo que alguns, por vontade de Cristo, são constituídos como doutores, administradores dos mistérios e pastores para os outros, reina afinal entre todos verdadeira igualdade no que respeita à dignidade e à ação comum de todos os fiéis para a edificação do corpo de Cristo. A distinção, que o Senhor estabeleceu, entre os ministros sagrados e o restante do povo de Deus, implica união, pois os pastores e os fiéis estão vinculados entre si por uma relação mútua e necessária: os pastores da Igreja, seguindo o exemplo do Senhor, estejam ao serviço uns dos outros e dos fiéis, e estes, por sua vez, prestem de boa vontade colaboração aospastores e doutores. Assim, na variedade, todos dão testemunho da admirável unidade do corpo de Cristo, pois a própria diversidade de graças, de ministérios e de funções agrupa na unidade os filhos de Deus, já que “é o único e mesmo Espírito que isso tudo realiza” (1Cor 12,11). ( Lumen Gentinum, 32)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Quando Cristo aparecer, então também vós aparecereis com Ele na glória
Do Comentário sobre o Evangelho de João, de S. Cirilo de Jerusalém, bispo
                Depois da sua ressurreição dos mortos, Jesus, tendo já levado nossa natureza à sua condição primeira e libertado o homem da corrupção, sobe como uma primicia a Deus Pai, que está nos céus, ele que é o seu templo primeiro. Mas depois de um breve tempo descerá novamente e voltará ainda entre nós na glória do seu Pai com os santos anjos, para convocar todos, bons e maus, ao tremendo tribunal.
 Toda criatura, da fato, deverá comparecer em juizo e o Senhor dará a cada um segudo o mérito da vida; aos que está à sua esquera, isto é aos que gozaram mal das coisas do mundo, dirá: “Ide, longe de mim, malditos, no fogo eterno preparado para o diabo e para os seus anjos” (Mt 25,41); aos que ao invés estarão à sua direita, isto é aos santos e aos bons, dirá: “Vinde, benditos do meu Pai, recebei em herança o reino preparado para vós desde a fundação do mundo” (Mt 25,34). Estes habitarão e reinarão com Cristo, gozando com imensa alegria dos bens celestes; tornados conformes a ele na ressurreição e livres dos laços da antiga corrupção, viverão eternamente de uma vida inefável e duradoura junto do Senhor sempre vivo.
                O fato de que quem tiver conduzido uma vida boa e virtuosa viverá incessantemente com Cristo, contemplando a sua inefável divina beleza, é afirmado por Paulo quando diz: “Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá do céu e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro. Depois nós, os vivos, os que estamos ainda na terra, seremos arrebatados juntamente com eles sobre as nuvens ao encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor.” (1Ts 4, 16-17)
                E voltando-se para aqueles que se esforçaram por mortificar as paixões mundanas exclama: “Vós de fato estais mortos e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus! Quando Cristo se manifestar, a vossa vida, então também vós vos manifestareis com ele na glória.” (Col 3,3-4)
                Para resumir brevemente a essencia e o significado deste trecho, diremos assim: os que amam a malícia do mundo, cairão no inferno e permanecerão longe da face de Cristo, aqueles, ao invés que amam a virtude terão conservado íntegro o selo do Espírito Santo, habitarão e viverão junto com ele contemplando a sua divina beleza: “O Senhor será para ti luz eterna, e o Deus será o teu esplendor.” (Is 60,19)
                                                   COMEMORANDO O DIA DO(A) LEIGO(A)
Leigos e leigas no protagonismo da evangelização
                A expressão não é nova, ela surge na Conferência de Santo Domingo (1992): “Que todos os leigos sejam protagonistas da Nova Evangelização, da promoção humana e da cultura cristã.” (n.97) (...) “Um laicato, bem-estruturado com formação permanente, maduro e comprometido, é o sinal de Igreja Particulares que têm tomado muito a sério o compromisso da Nova Evangelização.” (n.103)
                Hoje, talvez, precisássemos recuperar a intuição que o Episcopado latino-americano assumiu, na Conferencia de S. Domingo, quando fala do “protagonismo dos leigos”; embora na Conferencia de Aparecida esta expressão não apareça nenhuma vez. Falar de protagonismo, é falar do lugar de importância que os leigos têm na ação evangelizadora, é falar do seu papel insubstituível, imprescindivel na transformação da realidade que vivemos, marcada pela exclusão e pela violência.
                Os leigos são protagonistas, afirmaram os Bispos em Santo Domingo, ou seja, são os agentes principais, no esforço da Igreja em dialogar com o mundo e apresentar os valores do Evangelho num tempo de tantos contra-valores.
                Neste sentido, o Documento de Aparecida, e agora das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil (2011-2015) ressaltam dois princípios de grande valor e importância.
                O primeiro princípio é o da co-responsabilidade. Leigos e Leigas devem participar,  como sujeitos, com vez e voz, na elaboração dos programas pastorais, nos centros de discussão e decisão nas Igrejas Particulares. Devem participar não apenas na execução, mas nas decisões. Referindo-se ao projeto pastoral da Diocese, o Documento de Aparecida afirma: “Os leigos devem participar do discernimento, da tomada de decisões, do planejamento e da execução.” (n.371).  Não podem, portanto,  ver reduzida a sua participação apenas ao momento de encaminhar e realizar os programas, mas, sentir-se participante desde o início, por força da sua condição de cristão batizado, habilitado pelos sacramentos do batismo e da confirmação, a participar plenamente da vida da Igreja
                É ainda o Documento de Aparecida que esclarece: “A evangelização do Continente, dizia-nos o papa João Paulo II, não pode realizar-se hoje sem a colaboração dos fiéis leigos. Hão de ser parte ativa e criativa na elaboração e execução de projetos pastorais a favor da comunidade. Isso exige, da parte dos pastores, maior abertura de mentalidade para que entendam e acolham o “ser” e o “fazer” do leigo na Igreja, que por seu batismo e sua confirmação é discípulo e missionário de Jesus Cristo.” (n. 213)
                As DGAE 2011-2015 ressaltam: “Os leigos, corresponsáveis com o ministério ordenado, atuando nessas assembléia, conselhos e comissões, tornam-se cada vez mais envolvidos no planejamento, na execução e na avaliação de tudo que a comunidade vive e faz.” (n. 104.c)
                O segundo princípio é o da missão. Os Documentos do Episcopado Latino-americano afirmam exaustivamente que o campo epecífico da ação dos leigos e leigas é o das realidades onde ele vive e trabalha, ou seja, é o mundo da familia, do trabalho, da cultura, da política, do lazer, da arte, da comunicação, da univeridade, etc.
                Em função disso: “ a formação dos leigos e leigas deve contribuir, antes de mais nada, para sua atuação como discípulos missionários no mundo,na perspectiva do diálogo e da transformação da sociedade. É urgente uma formação específica para que possam ter incidência significativa nos diferentes campos, sobretudo ‘no vasto mundo da política, da realidade social e da economia, como também da cultura, das ciencias e das artes, da vida internacional, dos meios de comunicação e de outras realidade abertas à evangelização’(EN 70).” (Dap 283).
                As DGAE 2011-2015 incentiva a participação social e política dos cristãos leigos e leigas nos diversos níveis e instituições, nos Conselhos de Direitos, em campanhas e outras iniciativas que busquem efetivar, a convivencia pacífica, no fortalecimento da sociedade civil, e de controle social. Destaca tambem a participação na busca de políticas publicas que ofereçam as condições necessária ao bem-estar de pessoas, familias e povos; e a formação de pensadores e pessoas que estejam nos níveis de decisão evangelizado com especial atenção e empenho. (cf. n.115-117)
                Entre os diversos espaços em que a presença de leigos e leigas, hoje, é  imprescindível destacam-se: o mundo universitário, o mundo da comunicação, e a presença pastoral junto dos políticos e formadores de opinião no mundo do trabalho, dirigentes sindicais e comunitarios. (n. 117)
                Há, portanto, no pensamento dos Bispos Latino-americanos e brasileiros há uma condição e uma exigência, para o protagonismo dos leigos. A condição é de que leigos e leigas possam ocupar o lugar que lhes cabe na vida das comunidades, sentindo-se de fato como sujeitos co-responsáveis na  elaboração e realização de projetos e programas de evangelização. E a exigência, é a sua atuação evangélica nas realidades onde vive e atua, para que a semelhança do fermento possam levedar toda realidade humana com a força do Evangelho.
                Este é o grande desafio que hoje não só leigos e leigas enfrentam, mas todo o corpo eclesial: superar o conceito de leigo como inferior, subalterno e destinatário da ação evangelizadora; e, formar leigos e leigas para que possam nas realidades que lhe são específicas possam agir como agentes eclesiais, discípulos missionários de Jesus Cristo.
                Ao falar do protagonismo dos leigos é indispensável falar de  verdadeira conversão pastoral, como é proposta pelo Documento de Aparecida, no espírito da comunhao e libertação (cf. n. 368), ultrapassado uma pastoral de mera conversão  para uma pastoral decididamente missionária (n.370). 
                Oxalá leigos e leigas possam exercer seu protagonismo na vida de nossas comunidades eclesiais e assumirem com renovado entusiasmo sua missão nas realidades onde na sua maioria e na maior parte do seu tempo estão. Isso exigem coragem! O Espírito de Deus certamente não lhes faltará!
Dom Milton Kenan Júnior
               
               
               
               

quinta-feira, 17 de novembro de 2011


Todos são destinados à salvação
“Aqueles que ignoram sem culpa o Evangelho de Cristo e a sua Igreja, mas buscam a Deus na sinceridade do coração, e se esforçam, sob a ação da graça, por cumprir na vida a sua vontade, conhecida através dos ditames da consciências, também esses podem alcançar a salvação eterna. Nem a divina providência nega os meios necessários para a salvação àqueles que, sem culpa, ainda não chegaram ao conhecimento explícito de Deus, mas procuram com a graça divina viver retamente. De fato, tudo o que neles há de bom e de verdadeiro, considera-o a Igreja como preparação ao Evangelho e como dom daquele que ilumina todo o homem para que afinal tenha a vida. Contudo, os homens, muitas vezes enganados pelo demônio, entregaram-se a pensamentos vãos e trocaram a verdade de Deus pela mentira, servindo mais às criaturas antes que ao Criador (cf. Rm 1,21-25), ou então vivendo e morrendo sem Deus neste mundo, expõem-se ao desespero final. Por isso, para promover a glória de Deus e a salvação de todos, a Igreja, lembrada do mandamento do Senhor: “Pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15), põe todo o seu cuidado em  desenvolver as missões.” (Lumen Gentium, 16).

domingo, 13 de novembro de 2011

O justo semeia no espírito e por isso colhe a vida eterna
Do Comentário sobre Mateus, de Orígenes, presbítero
Parece-me que deste trecho resulte  que o justo semeando no espírito recolherá a vida eterna. Na verdade, tudo aquilo que é semeado e recolhido pelo homem justo, o recolhe Deus. O justo, de fato, pertence a Deus, o qual recolhe onde não semeou ele, mas o justo.
Diremos então assim: o justo espalhou, deu aos pobres e o Senhor recolherá para si tudo o que o justo há então semeado.
Colhendo de fato aquilo que não semelou e recolhendo o que não espalhou, julgará como oferecidas a si todas as coisas que foram semeandas ou espalhadas entre os pobres, dizendo àqueles que abençoaram o seu próximo: “Vinde, benditos dos meus Pais, recebei em herança o reino preparado para vós desde a fundação do mundo. Por que eu tive fome e me destes de comer.” (Mt 25, 34-35)
E porque quer colher onde não semeou e recolher onde não ceifou, quando não encontrar nada dirá aqueles que não lhe deram esta possibilidade: “Ide, longe de mim, malditos, no fogo eterno, preparado para o diabo e para os seus anjos, por que tive fome e não destes de comer.” (Mt 25, 41-42)
Ele é, de fato, duro, como diz Mateus, e severo como o define Lucas (19,21), mas para aqueles que abusam da misericórdia de Deus por negligência propria, por não converter-se, como nos recorda o Apóstolo: “Considera a bondade e a severidade de Deus” (Rm 11,22). Os negligentes, portanto serão tratados com severidade, tu ao invés com bondade se permanecerdes na bondade.
Se alguém está convencido que Deus é bom e espera de ser-lhe perdoado se a ele se converte, com este Deus é bom. Quem ao invés o considera tão bom a ponto de não fazer conta dos pecados dos homens, com este Deus não será bom, mas severo. Ele de fato arde de ira pelos pecados dos homens que o desprezam.
Se portanto Cristo ceifará o que não semeamos e recolherá o que não espalhamos, semeemos no espírito, distribuamos os nossos bens aos pobres e não escondamos sob a terra o talento de Deus.
Este temor não é bom e não nos livra daquelas trevas exteriores, onde seremos condenados como servos malvados e indolentes. Malvados por não ter usado a preciosa moeda das palavras do Senhor, com as quais poderíamos difundir a doutrina do cristianismo e penetrar nos profundos mistérios da bondade do Senhor. Preguiçosos por não ter usado da palavra de Deus para a nossa salvação e dos outros. Deveríamos, ao invés, colocar no banco as riquezas de nosso Senhor, isto é as suas palavras, junto aos ouvintes que, como banqueiros colocam à prova e examinam toda coisa para poder reservar somente a doutrina boa e verdadeira e refutar aquela má e falsa. De modo que, vindo o Senhor, pudesse recolher com os frutos e os interesses, as palavras por nós espalhadas nos outros.
De fato toda riqueza, isto é toda palavra que tem a marca real de Deus e a imagem do seu Verbo, é um autentico tesouro.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

UMA IGREJA POBRE E PERSEGUIDA
                «Do mesmo modo que Jesus Cristo consumou a sua obra de redenção na pobreza e na perseguição, assim também a Igreja é chamada a seguir o mesmo caminho para poder comunicar aos homens os frutos da salvação. Cristo Jesus, tendo “condição divina [...] esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo” (Fl 2,6-7) e por causa de nós “ele que era rico, fez-se pobre” (2Cor 8,9): assim a Igreja, se bem que precise de recursos humanos para cumprir a sua missão não foi constituída para buscar glórias terrenas, mas para dar a conhecer, também com seu exemplo, a humildade e abnegação. Cristo foi enviado pelo Pai “para evangelizar os pobres [...] para proclamar a remissão aos presos” (Lc 4,18), “para procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10): de modo semelhante a Igreja envolve em seus cuidados amorosos todos os angustiados pela fraqueza humana, e mais, reconhece nos pobres e nos que sofrem a imagem do seu Fundador, pobre e sofredor, esforça-se por aliviar-lhes a indigência, e neles quer servir a Cristo. Mas enquanto Cristo “santo, inocente, imaculado” (Hb 7,26), não conheceu o pecado (cf. 2Cor 5,21), e veio expiar unicamente os pecados dopovo (cf. Hb 2,17), a Igreja, que reúne em seu seio os pecadores, é ao mesmo tempo santa, e sempre necessitada de purificação, sem descanso dedica-se à penitência e à renovação.
                A Igreja “continua o seu peregrinar entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus” (S. Agostinho), anunciando a paixão e a morte do Senhor, até que ele venha (cf. 1Cor 11,26). No poder do Senhor ressuscitado encontra a força para vencer, na paciencia e na caridade, as proprias aflições e dificuldades, internas e exteriores, e para revelar ao mundo, com fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo, até que no fim dos tempos ele se manifeste na plenitude de sua luz.» (Lumen Gentium, 8)

sábado, 5 de novembro de 2011

Sete são as bem-aventuranças que nos aperfeiçoam, a oitava portanto glorifica e coloca em evidencia aquilo que é perfeito
Dos livros sobre o “Sermão do Senhor sobrea montanha” de Santo Agostinho, bispo
                « Felizes os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.» (Mt 5,10)
                Todas estas sentenças do Senhor são, portanto, oito. Logo depois de ter explicado as outras, o Senhor se dirige aos discípulos presentes, dizendo: “Felizes vós quando vos perseguirem e  disserem toda sorte de mal contra vós.” (Mt 5,11). As outras sentenças lhes explicava de modo genérico. Não disse de fato: “Felizes, vós os pobres em espírito, porque vosso é o reino dos céus.”, mas “porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,3); nem disse: Felizes vós os mansos, porque herdareis a terra, mas “porque herdarão a terra”, e assim todas as outras sentenças, até a oitava onde encontramos: “Felizes os peseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus.” Deste lugar começa a falar dirigindo-se diretamente aos presentes, embora também as outras sentenças se referissem aos que o escutavam; estas dirigidas especialmente a eles dizem respeito tambem aos ausentes ou aqueles que viriam depois.
                Por isso devemos considerar com toda diligência a ordem destas bem-aventuranças. Começa pela humildade: “Felizes os pobres em espírito”, ou seja aqueles que não são cheios de si; a alma se submete ao domínio do Senhor, temendo de ir, depois desta vida, ao encontro da pena, mesmo se as vezes lhe pareça de ser feliz neste mundo. Desta virtude a alma chega ao conhecimento das divinas Escrituras, onde ocorre que se mostre mansa na piedade, e não aconteça desprezar aqueles passos que aos ignorantes parecem absurdos,nem se obstine em discussões inuteis. De tal modo a alma começa a descobrir os laços deste mundo que a entretém com a sensualidade ou com o pecado. Neste terceiro grau, que contém a verdadeira ciencia, a alma lamenta de ter perdido o sumo bem, porque já adere ao ultimo fim. O quarto grau comporta um grande esforço, ao qual o ânimo deve submter-se com todas as forças para conseguir libertar-se das paixões que o têm o prisioneiro com a sua doçura. Daqui nasce a fome e a sede da justiça, e ocorre uma grande fortaleza, para que não sem dor se desapegue daquilo que se detem com prazer. A quem persevera no quinto grau sugere-se de progredir ainda mais, porque sem a ajuda de quem é mais forte ninguem  consegue  libertar-se dos laços de tantas misérias.
                Mas é justo que quem quer ser ajudado por um mais forte, ajude por sua vez aquele que é mais fraco, naquilo que pode. Por isso está escrito: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque encontrarão misericórdia.” O sexto grau é a pureza do coração proveniente de uma boa consciência: esta abre o caminho para a contemplação daquele sumo bem, que somente uma mente casta e limpida pode ver.
                A sétima bem-aventurança é a própria sabedoria, ou seja a contemplação da verdade, que estabelece na paz todo o homem, acentuando a semelhança com Deus, para quem conclui: “Felizes os operadores da paz, porque serão chamados filhos de Deus”. (Mt 5,9)
                A oitava bem-aventurança retorna ao tema inicial, mostrando que foi levado ao perfeito cumprimento.
                Por isso, seja na primeira como na oitava se faz mensão do reino dos céus. “Felizes os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,3) e “Felizes os persguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5,10); de fato está escrito: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angustia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a espada?” (Rm 8,35). Sete são portanto as bemaventuranças que nos aperfeiçoam, enquanto a oitava glorifica e coloca em relevo aquilo que é já é perfeito, de modo que através destes graus, quase recomeçando sempre de novo, se aperfeiçoam e se completam tambem os outros.